Mucuiú, motumbá, kolofé, aranauan, axé!
A seguir, aduzimos texto e vídeo de Babá Rivas Ty Ògìyàn sobre Exu. Laroyê, Exu!
Mãe Maria Elise Rivas
Íyá Bê Ty Ogodô
Mestra Yamaracyê
30 de setembro de 2018
Na década dos anos 60 tomamos consciência da realidade das religiões afro-brasileiras, de sua missão espiritual, social, cultural e, porque não dizer política, na sociedade brasileira.
A opinião pública tinha as religiões afro-brasileiras como algo que comprometia a imagem do Brasil como país civilizado, portanto motivo de vergonha e repulsa aos ritos e tudo mais que fizesse lembrar o ambiente malsão das senzalas.
O combate não é, pois, um fenômeno da atualidade, mas sim de quase 500 anos de discriminação, preconceito e violência à cultura, a arte e religião de um povo, não só negro, mas de todos os excluídos.
Portanto, a repulsa e a intolerância às religiões afro-brasileiras, segundo nossa ótica, não é devido ao “medo mais ou menos preciso e confessado da feitiçaria”, como defendem alguns sociólogos e antropólogos.
Querer ter como bode expiatório o medo da feitiçaria é minimizar, ser reducionista com o problema, pois o que existia e existe é o preconceito. Sim, como uns e outros afirmavam, as religiões afro-brasileiras foram “toleradas”, isto é, as elites, a oligarquia desde sempre rechaçaram os cultos, mas como eles podem render proventos financeiros e políticos, transformaram-nos em eventos turísticos. Essa é a “tolerância”, algo contrário ao que deveria ser o respeito incondicional a todas as religiões e manifestações culturais dos povos ou matrizes formadoras do povo brasileiro.
Talvez Nietzsche esteja certo e tenha a resposta às dúvidas que suscitamos. Sim, na sua obra crítica à tradição da filosofia ocidental a partir de Sócrates, ele a acusa de ter negado a intuição criadora da filosofia anterior, a pré-socrática. Nessa análise estabelece a distinção entre dois princípios: o apolíneo e o dionisíaco – a partir respectivamente de Apolo (deus da razão, da clareza, da ordem) e Dionísio (deus da aventura, da música, da desordem).
Infelizmente essas discussões complementares da realidade foram segregadas na época de Sócrates, que ao optar pelo culto à razão, minou a seiva, a semente criadora da filosofia na dimensão dionisíaca (Cotrin, 1988).
As religiões afro-brasileiras foram descaracterizadas, refutadas e preconceituadas por uma sociedade dominante, que luta pela manutenção do status quo (princípio apolíneo), foram atacadas naquilo que mais amedrontava e mais amedronta essa mesma sociedade – a entidade sobrenatural – Exu (princípio dionisíaco).
Mas por que Exu é a divindade do panteão afro-brasileiro mais criticada e associada ao diabo ou demônio cristão?
Seria porque para Ele tudo é possível? Seria porque é contra as injustiças e desigualdades sejam espirituais, cósmicas ou sociais? Ou seria por ser Exu a encarnação da vontade inquebrantável, permitindo aos homens conseguir tudo que necessitam?
Exu é o indutor da autodeterminação, da quebra de interdições sociais, que limitam a liberdade, por isso dá aos homens acesso aos meios mágicos – religiosos de melhorar sua sorte.
Os mitos de Orunmilá Ifá afirmam que Exu persuadiu a Lua e o Sol a trocarem seus domínios, mudando assim a ordem das coisas, contrário pois, como se percebe, à manutenção do status quo.
Expressa simbolicamente as incertezas humanas frente aos debates com as condições sociais estabelecidas, a afirmação da liberdade e autonomia do ser humano frente às injustiças naturais e sociais.
Exu, enquanto princípio de existência individualizada introduz a diferenciação, a noção de autonomia e de ação possível ante os sistemas estruturados e como princípio genérico de hierarquia social é representante da mudança ainda não realizada (Trindade Liana, 1981).
Depois das citações e ilações sobre Exu em seus aspectos cósmicos, sociais e individuais, pode-se entender porque de Exu ser demonizado e, infelizmente, ser mal interpretado por dentro de alguns setores, se bem que isolados das religiões do Orixá.
Quando ritualizamos Exu estamos atualizando seu conceito e significado, o mesmo se dando com o significado simbólico da oferenda ritual, que busca harmonizar o cosmo e o indivíduo por intermédio da absorção e restituição do Axé, simbolizando Exu, o princípio de existência individualizada.
Robusteçamos o quadro mental citando Joana Elbein, tirado de seu livro – Os nagôs e a morte.
“O ar e as águas moveram-se conjuntamente e uma parte deles mesmos transformou-se em lama. Dessa forma originou-se uma bolha ou montículo, a primeira matéria dotada de forma, um rochedo avermelhado e lamacento.
Olorum admirou esta forma e soprou o montículo, insuflou-lhe seu hálito e lhe deu vida. Esta forma, a primeira dotada de existência individual, um rochedo de laterita, era Exu Yangi.”
Nos Orixirixi (contos imemoriais dos Itanifás) de Exu encontraremos o tributo de Exu – Igba Ketá, isto é a terceira cabaça, o terceiro criado, pois os primeiros foram Oxalá e Odudwá.
O mesmo fundamento, ou seja, as várias qualidades de Exu, demonstra a ligação direta do mesmo com Orunmilá Ifá, com o destino individual (Bará), igualmente com o conceito de Exu ser Enu Gbarijó (Boca Coletiva), manifestando a vontade de todos os Orixás.
Assistindo ao vídeo, constante desta publicação, melhor se entenderá o enredo do rito realizado nas dependências do templo da FTU-Faculdade de Teologia Umbandista, o qual enfatizou algumas das funções importantes de Exu, principalmente a de ser o elo de comunicação entre os homens e o seu destino, com seus ancestrais, com os mistérios das folhas mágicas de Ossaim e, finalmente, como Guardião e porta voz de todos os Orixás. Exu Yê...Laroyê Exu...Axé!
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